.05

07:08

Ela sempre o amou. Desde do primeiro momento que percebeu o que era isso de gostar da rapaziada e de saber o que era o suor das mãos dadas.

Com aquele havia algo diferente, ainda por cima! Ela ria-se mais, abria-se mais, comia mais também. Com ele tomava conta do mundo e expirava a ser o melhor de ela mesma. A vossa avó bem o dizia, que aquele fulano lhe amararia dos dedos miudinhos de ambas as mãos aos pés descalços calejados de tanto descalçada que a tua irmã corria. Nunca viu estes olhos, alguém que abominava o salto alto como ela. Ao contrario de ti, que és toda pimpolha, a tua irmã uns ténis ou uns chinelos e com um - “- Por favor, calça-te!” da vossa mãe já com pouca paciência p'ras excentricidades dela

Foi assim que começou. Em janeiro mudou-se para casa dele, com toda a tralha e dois gatos. Fazia-lhe almoço e jantar, tratava-lhe da roupa, arrumavam a cozinha juntos e ele despejava o lixo a noite. Quando o horário de trabalho lhe permitia dava-lhe boleia até a estação e não houve dia que não se despedisse dela com um beijo ou que ela não o recebesse em casa com outro. Falavam dos seus dias, ou partilhavam historias parvas que decorriam nas horas mortas de ambos. Riam muito, conversavam muito, até aquela noite, dia 31 de Julho, mas isso fica para mais tarde. Tu queres saber é a razão porque é que aquele sonho foi tão importante.

Era fim de semana e como muitos outros fins de semana, ele estava no sofá da sala a despachar trabalho e ela na cozinha a fazer chá para os dois, porque só isso até ver lhe resultava melhor que os anti-depressivos. De repente ele chama-a pelo nome. Ele chama-a sempre pelo nome, nunca por amor, paixão, querida, fofinha. Sempre pelo nome e ai dele que se enganasse e lhe chamava por outra..., mas já estou a divagar outra vez. Ele chama: “- Vem aqui! Não vais acreditar! Vêm já!
Ela não largou tudo o que estava a fazer. Primeiro despejou o chá a ferver em duas canecas grandes e calmamente foi para a sala. Poisou-as em cima da mesa e olhou para ele a sorrir porque lá estava ele com cara de puto de quem tinha visto um helicóptero de tão perto.
“-Um falcão quis entrar na sala mas não consegui porque as asas eram demasiado grandes para a janela. Tinhas que ter visto. Opá porque não tirei foto!” Ela, entretanto, ouviu um piar muito tímido e a gata a tentar chegar-se detrás do sofá a caça. Pulou, mesmo com as dores de costas em cima do sofá branco arranhado pelas unhas da mesma maldita, e viu um passarinho aflito a querer escapar da brincadeira. Agarrou como podia no bicho entre os dedos gorduchos. Sentiu-lhe o coração microscópico a bater a mil a horas. Ele, no seu tom agora calmo e lógico explicou pausadamente que numa criatura daquele tamanho era normal e que podiam chegar a velocidades inconcebíveis para o ser humano. Não eram emoções como medo, era simplesmente biológico.

Ela adorava o tom de voz com que ele lhe ensinava o mundo racional e minimalista em que ele vivia mas as vezes, um bater de coração tão veloz como o daquele bicho chamava sem ela perceber o instinto de o proteger mesmo da sua gata a quem chamava de parceira. Era algo que ela não me consegui explicar quando esteve aqui, talvez mesmo as emoções fossem elas o que fossem eram químicas e biológicas. Um novelo de fios onde não se sabe qual a ponta é o fim e qual é o inicio.

E será que realmente importa?

Com os cotovelos abriu mais a janela ainda e lentamente desprendeu o passarito dos dedos dela. Parecia que queria ficar ali. Então esticou mais os braços e lá se foi, esperando que o falcão não o apanhasse desta vez.

“-Não percebo...”
“-Isto aconteceu na manhã seguinte, do sonho que a tua irmã teve.”
“-Quer dizer que..., mas ela disse que já não conseguia.”
“-Filha, a tua irmã é como qualquer ser humano, mente para se proteger, e mente ainda mais para proteger quem ama.”

0 comentários