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Ela sempre o
amou. Desde do primeiro momento que percebeu o que era isso de gostar
da rapaziada e de saber o que era o suor das mãos dadas.
Com aquele
havia algo diferente, ainda por cima! Ela ria-se mais, abria-se mais,
comia mais também. Com ele tomava conta do mundo e expirava a ser o
melhor de ela mesma. A vossa avó bem o dizia, que aquele fulano lhe
amararia dos dedos miudinhos de ambas as mãos aos pés descalços
calejados de tanto descalçada que a tua irmã corria. Nunca viu
estes olhos, alguém que abominava o salto alto como ela. Ao
contrario de ti, que és toda pimpolha, a tua irmã uns ténis ou uns
chinelos e com um - “- Por favor, calça-te!” da vossa mãe já
com pouca paciência p'ras excentricidades dela
Foi assim
que começou. Em janeiro mudou-se para casa dele, com toda a tralha e
dois gatos. Fazia-lhe almoço e jantar, tratava-lhe da roupa,
arrumavam a cozinha juntos e ele despejava o lixo a noite. Quando o
horário de trabalho lhe permitia dava-lhe boleia até a estação e
não houve dia que não se despedisse dela com um beijo ou que ela
não o recebesse em casa com outro. Falavam dos seus dias, ou
partilhavam historias parvas que decorriam nas horas mortas de ambos.
Riam muito, conversavam muito, até aquela noite, dia 31 de Julho,
mas isso fica para mais tarde. Tu queres saber é a razão porque é
que aquele sonho foi tão importante.
Era fim de
semana e como muitos outros fins de semana, ele estava no sofá da
sala a despachar trabalho e ela na cozinha a fazer chá para os dois,
porque só isso até ver lhe resultava melhor que os
anti-depressivos. De repente ele chama-a pelo nome. Ele chama-a
sempre pelo nome, nunca por amor, paixão, querida, fofinha.
Sempre pelo nome e ai dele que se enganasse e lhe chamava por
outra..., mas já estou a divagar outra vez. Ele chama: “- Vem
aqui! Não vais acreditar! Vêm já!
Ela não
largou tudo o que estava a fazer. Primeiro despejou o chá a ferver
em duas canecas grandes e calmamente foi para a sala. Poisou-as em
cima da mesa e olhou para ele a sorrir porque lá estava ele com cara
de puto de quem tinha visto um helicóptero de tão perto.
“-Um
falcão quis entrar na sala mas não consegui porque as asas eram
demasiado grandes para a janela. Tinhas que ter visto. Opá porque
não tirei foto!” Ela, entretanto, ouviu um piar muito tímido e a
gata a tentar chegar-se detrás do sofá a caça. Pulou, mesmo com as
dores de costas em cima do sofá branco arranhado pelas unhas da
mesma maldita, e viu um passarinho aflito a querer escapar da
brincadeira. Agarrou como podia no bicho entre os dedos gorduchos.
Sentiu-lhe o coração microscópico a bater a mil a horas. Ele, no
seu tom agora calmo e lógico explicou pausadamente que numa criatura
daquele tamanho era normal e que podiam chegar a velocidades
inconcebíveis para o ser humano. Não eram emoções como medo, era
simplesmente biológico.
Ela adorava
o tom de voz com que ele lhe ensinava o mundo racional e minimalista
em que ele vivia mas as vezes, um bater de coração tão veloz como
o daquele bicho chamava sem ela perceber o instinto de o proteger
mesmo da sua gata a quem chamava de parceira. Era algo que ela não
me consegui explicar quando esteve aqui, talvez mesmo as emoções
fossem elas o que fossem eram químicas e biológicas. Um novelo de
fios onde não se sabe qual a ponta é o fim e qual é o inicio.
E será que
realmente importa?
Com os
cotovelos abriu mais a janela ainda e lentamente desprendeu o
passarito dos dedos dela. Parecia que queria ficar ali. Então
esticou mais os braços e lá se foi, esperando que o falcão não o
apanhasse desta vez.
“-Não
percebo...”
“-Isto
aconteceu na manhã seguinte, do sonho que a tua irmã teve.”
“-Quer
dizer que..., mas ela disse que já não conseguia.”
“-Filha, a
tua irmã é como qualquer ser humano, mente para se proteger, e
mente ainda mais para proteger quem ama.”
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