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“
-Desculpa, o chá não esta assim tão
mau..., um pouco..., nem reconheço o sabor...” - dizes distraída
e interrompi-te: “-Hortelã-e-pimenta, era o que ela me pedia
sempre. Ela ainda fazia umas misturas mais estranhas que as minha.
Barbas de milho e folha de bolbo, as vezes brincava e misturava
outras ervas cada uma mais amarga que as outras, por isso, compreendo
até. Muitas vezes saber beber chá é mais um gosto que se aprende
do que se adequer.
“-Sim,
nos últimos tempos ela era mais de chá e eu fiquei pelo café.” -
fizeste uma pausa.
Já
não via tão certo como antes desde que a catarata comeu-me a
vista-de-longe mas essa tristeza que desenhas hoje no rosto é tão
igual ao qual a tua irmã trouxe cá da última vez a esta casa.
Tinha as mesmas feições esse desalento mas com alma de outrem. Há
coisas que só o tempo te ensinam e tu hoje já ouviste demais e não
tenho mais respostas para te dar ou pelo menos não aquelas que andas
a procuras.
Levanto-me
do sofá roído pelos gatos e poiso a chávena em cima da mesa de
cabeceira. Perto das onze, já devias estar farta da voz e cheiro
desta velha. Enquanto o meu corpo semi-curvado la se tentava deslocar
a jeito, tu interrompeste: - O resto do sonho...” - bebericaste as
palavras quase como num suspiro para arrefecer a chávena.
“-'Quê?”
“-O
resto do sonho, foi só isso? Eu não percebo porque …” - Voltei
a enterrar o rabo no sofá e com a mão calejada do tempo penteio uns
fios brancos para trás: “-O sonho não é nada, o sonho foi
meramente um inicio, foi o que aconteceu no dia seguinte onde as
coisas se tornam interessantes. - Fiz uma pausa maior que a tua,
distraída servia mais chá.
Sempre
fora tão difícil explicar-te estas coisas que não estão escritas
em livros nem ensinadas em escolas. São como contaminações de boca
em boca. É assim que a gente aprende por estes bairros. Mas tu, é
mais complicado ainda, contigo é devagaroso, quase podíamos ir
buscar a morte juntas que mesmo assim, desconfio, lá não
chegávamos. Principalmente depois de tudo o que aconteceu. A forma
como vos afetou a ambas.
“-Explica-me,
valha-me Deus!”; o nervosismo já se tinha apoderado da tua
garganta.
“-Não
sei mais do que tu cachopa, não sei mais do que tu... mas mesmo que
fosse em sonho ver o rosto dele aos berros pelo seu nome, com os
desespero que lhe segurava a voz: “-Mas pára! Por favor pára de
te por em risco! Pára de te pores em perigo..., no mal que te fazes
e enquanto, eu, o estúpido aqui... -” as palavras dele pairavam
como uma nuvem de algodão doce sobre o preto-cizentado da tela
onírica criada pelo seu cérebro entupido. Enquanto poisava a
ninhada na areia e ele gesticulava em jeito de cinema mudo, dentro do
seu devaneio, ela teve a breve sensação de um sorriso desenhado a
batom vermelho no seu rosto. Sentiu-se como uma heroína, uma
fada-madrinha, a guardiã de um conto de criança – mas ela não
percebeu. A tua irmã não percebeu o significado de nada.
Quando
acordou com a luz a bater-lhe nos olhos lembrava-se de cada detalhe,
como te disse aquela cabecinha era quase uma câmara de filmar, mas
ela pensou que era a medicação a fazer efeito finalmente que aquele
era um bom dia, o primeiro em muitos em que não ia chorar.
Depois
de um café, uma torrada e meia-hora ao telefone com alguém,
trancou-se na casa de banho, com uma almofada, abafava os seus gritos
de choros até ele chamar o seu nome para ela ver algo que se estava
a passar na sala.
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