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14:59

“ -Desculpa, o chá não esta assim tão mau..., um pouco..., nem reconheço o sabor...” - dizes distraída e interrompi-te: “-Hortelã-e-pimenta, era o que ela me pedia sempre. Ela ainda fazia umas misturas mais estranhas que as minha. Barbas de milho e folha de bolbo, as vezes brincava e misturava outras ervas cada uma mais amarga que as outras, por isso, compreendo até. Muitas vezes saber beber chá é mais um gosto que se aprende do que se adequer.
“-Sim, nos últimos tempos ela era mais de chá e eu fiquei pelo café.” - fizeste uma pausa.

Já não via tão certo como antes desde que a catarata comeu-me a vista-de-longe mas essa tristeza que desenhas hoje no rosto é tão igual ao qual a tua irmã trouxe cá da última vez a esta casa. Tinha as mesmas feições esse desalento mas com alma de outrem. Há coisas que só o tempo te ensinam e tu hoje já ouviste demais e não tenho mais respostas para te dar ou pelo menos não aquelas que andas a procuras.

Levanto-me do sofá roído pelos gatos e poiso a chávena em cima da mesa de cabeceira. Perto das onze, já devias estar farta da voz e cheiro desta velha. Enquanto o meu corpo semi-curvado la se tentava deslocar a jeito, tu interrompeste: - O resto do sonho...” - bebericaste as palavras quase como num suspiro para arrefecer a chávena.
“-'Quê?”
“-O resto do sonho, foi só isso? Eu não percebo porque …” - Voltei a enterrar o rabo no sofá e com a mão calejada do tempo penteio uns fios brancos para trás: “-O sonho não é nada, o sonho foi meramente um inicio, foi o que aconteceu no dia seguinte onde as coisas se tornam interessantes. - Fiz uma pausa maior que a tua, distraída servia mais chá.

Sempre fora tão difícil explicar-te estas coisas que não estão escritas em livros nem ensinadas em escolas. São como contaminações de boca em boca. É assim que a gente aprende por estes bairros. Mas tu, é mais complicado ainda, contigo é devagaroso, quase podíamos ir buscar a morte juntas que mesmo assim, desconfio, lá não chegávamos. Principalmente depois de tudo o que aconteceu. A forma como vos afetou a ambas.
“-Explica-me, valha-me Deus!”; o nervosismo já se tinha apoderado da tua garganta.
“-Não sei mais do que tu cachopa, não sei mais do que tu... mas mesmo que fosse em sonho ver o rosto dele aos berros pelo seu nome, com os desespero que lhe segurava a voz: “-Mas pára! Por favor pára de te por em risco! Pára de te pores em perigo..., no mal que te fazes e enquanto, eu, o estúpido aqui... -” as palavras dele pairavam como uma nuvem de algodão doce sobre o preto-cizentado da tela onírica criada pelo seu cérebro entupido. Enquanto poisava a ninhada na areia e ele gesticulava em jeito de cinema mudo, dentro do seu devaneio, ela teve a breve sensação de um sorriso desenhado a batom vermelho no seu rosto. Sentiu-se como uma heroína, uma fada-madrinha, a guardiã de um conto de criança – mas ela não percebeu. A tua irmã não percebeu o significado de nada.

Quando acordou com a luz a bater-lhe nos olhos lembrava-se de cada detalhe, como te disse aquela cabecinha era quase uma câmara de filmar, mas ela pensou que era a medicação a fazer efeito finalmente que aquele era um bom dia, o primeiro em muitos em que não ia chorar.

Depois de um café, uma torrada e meia-hora ao telefone com alguém, trancou-se na casa de banho, com uma almofada, abafava os seus gritos de choros até ele chamar o seu nome para ela ver algo que se estava a passar na sala.






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