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Quando finalmente consegue adormecer, ou
será mais a medicação a espalhar-se no seu sistema hemoglobínico;
arrastando-a para os habituais pesadelos, ela contou-me um deles que
por estranha que possa ser ficou gravado cá na mioleira.
Ela falou-me de algo
que se parecia a um quadro surrealista como uma daquelas pinturas que
nem tu nem ela dão importância. Tu sabes como aquelas telas
coloridas sem sentido nenhum, a venda por drogados no terreiro do paço, ou lá perto. Ainda não te levei lá, mas também não perdes grande
coisa, é canalha e turistas, as vezes um “Avec” de imigrantes
que não tinham cu para o serviço militar e mentem a gente a dizer
que foram fora procurar boa vida longe da mãe e do pai.
Lá estou a divagar
nas minhas memorias, tu queres é saber dela, da tua irmã. Raio da
cachopa..., é a puta da idade, mais o tempo passa e menos acertamos
o ritmo aos pés ou as palavras. É como dançar aos trambolhões a
idade. É como dançar aos trambolhões...
Foi ontem? Ou antes,
mas ela teve cá, sentada ai como tu a beber chá, olha outra que com
a idade troca fino por tinto, e depois café por chaleira de chá.
Ela teve um sonho disse ela, conheces aquela cabeça, lembra-se de
tudo como um álbum fotográfico desde do cheiro a iodo ou da posição
exata de cada sarda da tua cara.
O sonho era uma
praia, sim tens razão, era a favorita dela, aquela que fica na linha
da Vieira de Leiria. Agora para de interromper que quem fala aqui sou eu!
Descreveu a agua
como furiosa, com ondas que a pudessem engolir mesmo sabendo nadar, aquilo lhe metia respeito e ela sempre teve medo de quase nada. O mar
estava a ganir como um porco antes da matança, aquele chorar como
quem pede clemencia p'la vida e não a tem. Em criança tu e ela
viram esse suplicio tornar-se em sangue a escorrer pelo esgoto no
pátio da vossa casa. Agora que penso nisso, talvez eras demasiadamente pequena para te lembrares. Enfim..., não interessa, o
mar estava bravo – já ficas com a ideia – ou seja, nem a ponta
dos pés podias molhar.
No entanto, mesmo a
beirinha, onde a água more na areia, havia nessa linha espalhados
pela praia ninhos de passarinhos, sem progenitores para os proteger.
No entanto, pessoas de todos os feitios e géneros deslocavam os
ninhos mais para a direcção das dunas, para serem protegidos das
ondas. Não era muito mas era o que se podia fazer. Não convém
muito a mão do Homem mexer no equilíbrio dos bichos. Normalmente
faz mais estragos que remendos.
Conhece-la, ela
sempre quis ser mais, queria poder abraçar o mundo inteiro no colo e
afastar todo o mal que possa haver com um olhar enquanto que te
mantinha quente e segura entre o peito dela e perfume. Porque não
havia de ser igual num sonho?
Levantou-se da
toalha de praia e a passos arrastados aproximou-se de um ninho de
pintainhos amarelos mas antes que pudesse chegar a eles, ele
segurou-lhe pelo braço com toda a força que aquele homem tinha
gritou-lhe o nome com os pulmões cheios: “- Por favor, tenho que
ir”
-Não!
-É a beirinha!
-Eu disse que não!
-Nada vai acontecer!
-Eu disse que não!
Depois de tudo o que aconteceu não vais arriscar! Estás doente! O
que vai acontecer se tiveres outra crise? - e murmurou – O que faço
se te acontecer alguma coisa?; mas ela afastou-se. - Quem te tira da
água?! Aqui o idiota outra vez?
A esconder as
lágrimas afastou-se dele, debruçou-se sobre um dos ninhos e pegou
em todas as crias abrigado-as entre o volume do seu peito e a firmeza
do seu abraço mas por meros segundos foi apanhada desprevenida, e o mar lhe passou rasteira debaixo de agua. Segurando-a ai por uns bons instantes. Teve tempo de calcular a quantia de oxigénio que necessitava para suster
a respiração sem interferir com a bolsa de ar a proteger o ninho
Consegui
levantar-se, sair da agua, teve medo de abrir as mão gordas mas os olhos azeitona dela até se deviam ter rido porque cada um dos pintainhos pretos sobreviveram.
Ele
reaproximou-se dela. Danado mas aliviado e ela com o sorriso quente
entre as bochechas gordas lhe sorriu, com todo o amor que lhe tinha, como se partilhasse uma
daquelas pequenas vitorias.
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