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Acredita, como te digo.


Não consiga fazê-lo de novo. Não é como se fosse algo de tão natural assim. Conseguir conceber a ideia de que possa voltar a velhos hábitos pré-meditados que se desencaixaram entre tanto do seu quotidiano; um pouco como ela contou..., como antigamente. Não tanto assim na verdade, mas mais tempo que a tua idade - e lá esta, já a fizeste sentir velha novamente! Mas voltando ao assunto, por favor:


Velhos vicio de cigarro, o que ela adorava, cinzeiro cheio e 3 da manhã, sem sono, exposto no canto inferior direito do monitor, enquanto, no ar pairava o cheiro de agua-rás e chulé das botas, usadas em estações a mais, até a sola se descolar do preto desbotado dos pés. As mão sujas com tinta e carvão, eras demasiado nova para te lembrares mas não faz mal, eu conto-te que velha loucura ainda tem pano nas mangas para costurar historias de um baú que ficou naquela casa.


No entanto, tem atenção, de quem falamos, deixar a tinta escorrer em frescas páginas compradas no hipermercado mais perto, ontem, só para partilhar contigo este circo que lhe vai nos miolos, não é para que aprendas..., mas também não é como se fosse tão fácil pegar no telefone e simplesmente dizer de jeito leve: -” Olá. Como estás? Eu não.”


Entende, que a idade não só lhe passou pelo rosto como também pelo corpo, a paciência, a fé e todos os seus fundamentos. Toda a estrutura com que cativava o seu redor e o mundo ficaram afetados em jeito de imitação de uma doença silenciosa. O que via ou/e sentia, neste mundo em forma de gente humana já não o quer nem o muda. Ficou em desconexão desde daquela noite. Mais metade dela, mais metade de todo o resto. Ou foi desde daquela manhã? O que terá ganho naquela cabecinha?
Um morto pálido estendido no chão de um quinto andar, ou a noção que ela própria se iria tornar num – algo imóvel sem poder para se lembrar, reconhecer, aclamar? Quais dos piores instantes se desfragmentou até ao ponto dela ser um novelo de objetivos, metas, projetos e ideias incompletas? … há perguntas das quais ainda não tem..., ou quer, ter resposta. A única que bate certo é: “ - Não sei.”; e a responder normalmente não consegue controlar o choro, nem na ideia de um porque delas. Só sabe quando mais o seus olhos são esborratados com a água misturada mais o preto da mascara mais lhe doí e não te vai dizer aonde, nem la perto.


Ontem decidiu sair de casa, vestir a mascara, querer parecer bonita. Nunca tão bonita como tu, isso é o mesmo que pedir a um elefante de apanhar um rato como um gato e fazer malabarismos com palavras cruzadas. Mas tentou isso. Passou o corpo pesado pela agua e o creme hidratante pela pele seca, vestiu cores e maquilhou o olhar para parecer gente. Escondeu os auscultadores nos ouvidos e saiu a rua até ao hipermercado mais perto de casa, a sentir a brisa a passar pelo cabelo curto pintado e o ligeiro toque a quente na pele.


E depois a dor apos alguns passos, sem vergonha sentava-se quando podia, respirava fundo, fingia desenvergonhadamente que só estava a mudar de faixa, a selecionar uma banda sonora mais propicia aquele momento. Era mentira, com certeza. É somente dor que a fazia parar e perguntava-se quando foi o momento que o seu corpo deixou de lhe obedecer e porque?


Não queria que soubesses nem que te apercebesses do nojo que sentia a cada olhar que lançava a si mesma ao espelho, a vontade que tinha de arrancar-se a pele dos ossos e deitar fora o pouco que fazia dela mulher. Vomitar a si mesma até ser quem era, não bonita, só ser o que achava que alguma vez fora. Mas talvez tivesse sido sempre assim, um agregado de pele e gordura sobre ossos e sangue que nunca lhe obedeceu e só espreitavam pela menor distração – um cadáver estendido no quinto andar.


Foi então que perdeu. Mas isso já sabes.

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